18.4.09

SÓCRATES É RECEBIDO COM MANIFESTAÇÃO



Em frente ao antigo Hospital de S. Teotónio, pouco mais de 100 pessoas fizeram chegar o seu protesto aos ouvidos de José Sócrates, que ali inaugurava a novíssima "pousada de luxo" de Viseu. O primeiro-ministro fintou (mais uma vez) toda a gente ao sair pelas traseiras.

15.4.09

A “CORAGEM” DOS BISPOS

Nos últimos quinze dias muito se falou da “coragem” do bispo de Viseu. Eu próprio tive oportunidade, no debate sobre Violência Doméstica organizado pela Assembleia Municipal de Viseu, no dia 30 de Março, de saudar o bispo Ilídio Leandro pelo “passo em frente” que representou a sua demarcação da posição do Papa Bento XVI , ao afirmar que o uso do preservativo, por parte de uma pessoa infectada pelo vírus da SIDA, “não somente é aconselhável como poderá ser eticamente obrigatório”. Ora, para proferir tal afirmação não é preciso ser corajoso (o falecido bispo António Monteiro já dissera algo semelhante), mas apenas possuir um mínimo de humanidade, bondade e sensatez. E o bispo de Viseu já demonstrou, no passado, que merece o nosso respeito. Esteve ao lado dos ex-trabalhadores da ENU dando razão às suas reivindicações; num debate sobre o referendo do aborto afirmou que se estivesse apenas em causa a mulher não ser penalizada votaria a favor da despenalização (por acaso era precisamente isso que estava em causa, pelo que o povo português votou maioritariamente a favor); e, no debate sobre Violência Doméstica, voltou a surpreender ao defender o divórcio em casos de violência conjugal ou sempre que “o casal não consegue viver no amor”, nem recomeçar uma experiência falhada.
Tudo isto parece óbvio na Europa civilizada e democrática do século XXI, mas temos de reconhecer que, para quem está no seio de uma igreja como a católica, atavicamente dogmática, que continua a discriminar a mulher no acesso ao sacerdócio e à hierarquia e que tem um Papa que vai para África, o continente mais atingido pela SIDA, dizer que o uso do preservativo só aumenta o problema, as palavras do bispo de Viseu representam alguma ousadia. Por isso o saudei pelo passo em frente, lembrando, no entanto, que como o ponto de partida estava na Idade Média, muitos outros passos se tornavam necessários. E recordei a coragem do Bispo Torgal Ferreira quando, comentando as afirmações do Papa, disse que “proibir o preservativo é consentir na morte de muitas pessoas”, ou quando defendeu o ordenação de mulheres. É que o bispo Ilídio Leandro é boa pessoa, mas tenta fazer a quadratura do círculo, seguindo a sua consciência ao mesmo tempo que evita rupturas profundas com a hierarquia, como quando veio defender em artigo publicado em vários jornais que, apesar da sua opinião sobre o uso do preservativo, “o Papa não pode dizer outra coisa, como doutrina, como ideal”. Ora, o que Bento XVI disse foi não só de uma profunda ignorância, como indesculpável em quem influencia muitos milhões de pessoas. Até o parlamento da Bélgica aprovou uma moção repudiando as afirmações do Papa.
Henrique de Barros, coordenador nacional para a infecção VIH/ SIDA, criticou o Papa por desprezar a “evidência científica de o preservativo ser a única solução eficaz para a prevenção da SIDA”, uma vez que “a abstinência sexual não é humanamente aceitável”, dando Portugal como exemplo, com menos um milhar de novos casos de SIDA, em 2008, graças à distribuição gratuita de um milhão de preservativos pelo Ministério da Saúde.
Também Jorge Torgal, médico e professor catedrático, director do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, acusa Bento XVI de estar ao lado dos que “não defendem a vida” e de contrariar as posições oficiais da Organização Mundial de Saúde (OMS) e das agências das Nações Unidas que num documento divulgado a 19 de Março, afirmam que “o preservativo é um elemento crucial numa estratégia integrada, efectiva e sustentável na prevenção e tratamento do VIH”.
No entanto, basta sintonizar a Rádio Renascença para se ouvir padres, bispos e leigos a defender as posições do Papa e as virtudes da abstinência e da fidelidade como alternativas ao preservativo. No Uganda, onde fundamentalistas católicos e evangélicos mais têm pregado esta teoria, o combate à SIDA está desde há dois anos a sofrer um retrocesso.
Já em 2003 a OMS condenou o Vaticano por haver cardeais, bispos e padres a dar informações falsas sobre a “ineficácia” do preservativo, pondo vidas em perigo.
Lamentavelmente, houve jornais locais e nacionais que ao citarem a minha interpelação ao bispo Ilídio Leandro, durante o debate sobre Violência Doméstica, truncaram o cerne da questão que ali coloquei e que tinha a ver mais directamente com o tema. É que o preservativo não é só um método de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, mas também um método contraceptivo e de planeamento familiar. E o bispo de Viseu ao defender o seu uso apenas quando um dos parceiros está infectado, (ainda por cima, no país europeu, a seguir ao Reino Unido, com maior taxa de gravidez na adolescência), está a incorrer no mesmo ataque do Vaticano a um dos direitos consagrados na Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Direitos das Mulheres, em 1995: “Os direitos humanos das mulheres incluem o direito de controlar os aspectos relacionados com a sua sexualidade, incluindo a saúde sexual e reprodutiva”.
Em 1999, a Comissão para a Igualdade e Direitos das Mulheres (nome primitivo da comissão agora presidida por Elza Pais, oradora no debate, juntamente com o bispo de Viseu), publicou a versão portuguesa da Carta dos Direitos Sexuais e Reprodutivos que no seu ponto 6 diz: “Todas as pessoas têm o direito de estar livres de interpretações restritas de textos religiosos, crenças, filosofias ou costumes, como forma de limitar a liberdade de pensamento em matérias de cuidados de saúde sexual e reprodutiva e outros”.
Razão tem o padre Feytor Pinto, responsável da Pastoral da Saúde, quando disse, há cerca de um mês, que “há vozes retrógradas na igreja sobre sexualidade” e defendeu a educação sexual dos pais para poderem ser educadores e confiarem no papel da escola neste campo, lamentando que ainda haja padres e bispos que têm medo de encarar este problema. Note-se que há 40 anos Paulo VI criou uma comissão para estudar a contracepção, tendo a maioria sido favorável aos métodos artificiais, mas a cúria romana acabaria por só autorizar os métodos naturais, mais falíveis do que o Papa.
Depois queixam-se de apenas terem metade das paróquias da Região Centro com padre residente...

(Carlos Vieira e Castro no Jornal Via Rápida de 9/04/09)

14.4.09

A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E O “ADVOGADO DO DIABO”

No passado dia 30 de Março, a Assembleia Municipal de Viseu organizou um debate sobre violência doméstica, para o qual foram convidados, como oradores principais, a presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, Elza Pais, e o bispo de Viseu.

O bispo Ilídio Leandro referiu-se não só à violência conjugal, mas também à que se exerce no seio do lar com os filhos ou com os idosos, deixando-os muitas vezes sozinhos ou enviando os pais e os avós para lares onde eles não querem estar. Considerou ainda que o casamento deixa de ter validade quando deixa de existir o amor, o que se torna mais evidente sempre que ocorre violência conjugal, tornando-se então preferível optar pela separação ou pelo divórcio.

Elza Pais lembrou que a Violência Doméstica, resultado do desequilíbrio do poder entre homens e mulheres, teve a legitimidade da lei e da tolerância social, mas já é considerado crime público desde o ano 2000, pelo que tem de ser denunciado. Referiu-se ainda a um estudo da Universidade do Minho que demonstrou que há uma percentagem preocupante de jovens que aceita a violência física e psicológica no namoro como um acto de amor, acreditando que desaparecerá, com o tempo, o que a prática tem demonstrado que não é verdade. Informou também que existem dois núcleos de atendimento para vítimas de violência doméstica em Viseu e um outro em Mortágua.

Inquirida por um representante do Núcleo de Viseu da Associação OLHO VIVO (também convidado a participar no debate) sobre o atraso na aplicação dos meios electrónicos de controlo à distância, como forma de fazer cumprir o afastamento dos agressores, deixando de ser a mulher vítima a ter de sair de casa, recorrendo à família, aos amigos ou a casas abrigo, Elza Pais anunciou que até ao final do mês de Abril as pulseiras electrónicas estarão a ser distribuídas por todo o país.

Também usaram da palavra responsáveis da PSP e da GNR, que no ano de 2008, registaram, na nossa região, um total de 706 denúncias. A PSP, que tem duas salas de atendimento às vítimas de violência doméstica, uma em Viseu e outra em Lamego, assinalou 149 denúncias, sendo 135 de ofensas à integridade física das mulheres, 6 de abusos sobre os filhos e 6 sobre idosos (2 não se enquadram nestas categorias). Por seu lado a GNR registou no ano passado 557 denúncias, sendo 442 de violência conjugal, 16 de abusos sobre crianças e 58 de abusos ou violência sobre idosos.

A intervenção que suscitou mais polémica e até interpelações mais ou menos indignadas da parte de algumas das mulheres presentes, incluindo Elza Pais (de forma mais diplomática) e duas deputadas municipais, do PS e do Bloco de Esquerda, foi a do representante em Viseu da Ordem dos Advogados, que começou por avisar que iria fazer de “advogado do diabo”. Embora escudando-se numa argumentação técnico-jurídica, e falando em nome pessoal, João Paulo Sousa lá foi dizendo que apesar de reconhecer a violência doméstica como um crime grave, discordava que fosse crime público, considerando-o como “um crime da moda” (como já houve o da pedofilia) pelo que haveríamos de “ter cuidado com a pressão da comunicação social, factor de distorção do rigor dos factos”. Para o distinto advogado este tipo legal de crime está a começar de sofrer uma “instrumentalização por parte de putativas vítimas para usos indevidos”, como seja a defesa de “interesses patrimoniais” ou para “afastar o cônjuge da própria residência”.

Também o representante da Olho Vivo manifestou a nossa discordância com este tipo de argumentação, lembrando os números divulgados pelo Observatório de Mulheres Assassinadas, criado em 2004 pela UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta que registou mais de 200 mulheres assassinadas às mãos dos maridos ou ex-companheiros, nos últimos cinco anos. Para além da quase meia centena de mulheres assassinadas no ano passado, ainda se registaram 64 mulheres vítimas de tentativas de homicídio, agressão ou violência continuada, mais 18 vítimas associadas (filhos, pais, amigos).

De acordo com o Conselho da Europa, a violência contra mulheres no espaço doméstico é a principal causa de morte e invalidez de mulheres dos 16 aos 44 anos. Ou seja, a violência doméstica mata mais do que o cancro!
É tempo de acabar com esta moda!.

Em 1997, a Comissão de Direitos das Mulheres do Parlamento Europeu elaborou um relatório, de que viria a resultar a aprovação de uma proposta de designação do ano de 1999 como o “Ano Europeu de Recusa Total da Violência Contra as Mulheres”, considerando como necessário melhorar ao seguintes aspectos no que diz respeito à aplicação da legislação dos Estados-membros:
“- os procedimentos jurídicos;
- a promoção do conhecimento das novas leis de acção penal junto das polícias;
- a formação dos juízes sobre esta matéria bem como em todos os serviços que entram em contacto com o problema da violência contra as mulheres.”

Passada uma década, verifica-se, pelo menos em Portugal, haver graves lacunas nestes campos, incluindo a formação dos juízes (e, pelos vistos, dos advogados), como se pode constatar em casos como o do juiz que considerou atenuante de um caso de homicídio conjugal, a mulher “deixar esturricar a comida”; ou o caso mais recente de um juiz que deixou em liberdade um homem que tinha acabado de atirar ácido à cara da companheira ou ex-companheira. Uma moda importada do Paquistão...ou será que é o diabo, senhor advogado?...

(No Jornal Via Rápida de 09/04/09)

2.4.09

PATRIMÓNIO EM RUÍNAS



No passado dia 15, por volta das 23 horas, o telhado da Casa das Bocas abateu com um violento estrondo, pregando um susto aos moradores da Rua João Mendes, mais conhecida como Rua das Bocas. A origem da alcunha da rua está nas gárgulas que encimam a fachada do solar, donde sobressaem logo abaixo do beiral.

A. de Lucena e Vale no seu livro “Viseu Monumental e Artístico”, editado pela Câmara Municipal de Viseu, em 1949, ilustrado com fotografias de Germano, situa este solar na transição do século XVII para o XVIII e descreve-o assim:

“Andar corrido sobre o vão das lojas, cuja frente rasgam cinco lumieiras de granito em forma de caderna, janelas de cornija descansando em pequenas mísulas que lhes servem inferiormente de remate, portais elegantes de ornamentais volutas, terraço de balaústres sob a ramagem de frondosas árvores, tudo nesta casa lhe imprime carácter e a reveste de particular interesse. O maior, porém, está no friso de gárgulas de acentuada feição românica que orna o alto da frontaria, sob o beiral franco do telhado”. “Segundo gerais suposições, embora sem nenhum documento que as comprove, tais “bocas” devem ter pertencido à Sé e dela terem sido desviadas quando da substituição da abside românica pela actual capela-mor”

“Ignora-se a quem pertenceu na sua origem; de há muito é objecto de alienações sucessivas”.

O solar terá pertencido à família Lemos e Sousa, mas há cerca de uma década que está devoluto. Já quanto às gárgulas terem pertencido à Sé não nos parece provável, nem a nós nem a alguns especialistas em História de Arte contactados pela OLHO VIVO, que estão convencidos que sempre devem ter pertencido ao edifício já que denotam uma minúcia no lavrado mais próprio do Barroco.

A autarquia informou a comunicação social que a Sociedade de Reabilitação Urbana Viseu Novo e os bombeiros municipais já tinham efectuado uma vistoria ao edifício tendo concluído que este se encontrava em risco de ruína. O comandante dos bombeiros municipais afirmou ao Jornal do Centro que a Casa das Bocas ficou com pouca sustentação pelo que “necessita de uma intervenção rápida”. Américo Nunes, vice-presidente da Câmara Municipal de Viseu (CMV), referiu ao mesmo jornal que, após a vistoria efectuada dias antes da derrocada, a CMV já notificou o proprietário. A autarquia também já notificou o proprietário da casa no Largo Major Monteiro Leite cujo telhado abateu atirando com as paredes dos pisos superiores em tabique para o meio da rua, não matando ninguém por acaso, mas já lá vão quase três anos e parece que o proprietário faz orelhas moucas.

A Casa das Bocas é um dos edifícios mais emblemáticos da arquitectura civil da Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística, mas a SRU vem com décadas de atraso e não consegue acompanhar a velocidade de degradação do património edificado da nossa cidade, que continua a cair-nos na cabeça.

Contacto:

olhovivo.viseu@gmail.com