26.12.08

2000 ANOS DEPOIS, AINDA HÁ MENINOS A VIVER EM ESTÁBULOS




No Natal, os cristãos celebram o nascimento de Jesus, que acreditam ter sido concebido por Deus (através do Espírito Santo, segundo S. Mateus) e a Virgem Maria que o deu à luz num estábulo, a caminho de Belém, terra de José que para lá fora obrigado a ir para cumprir o recenseamento decretado por César Augusto.

Dois mil anos depois ainda há meninos que nascem em estábulos, vítimas de desprezo e preconceito. É o caso que aqui denunciámos (pela quarta vez) no último “Golpe de Vista”: o David Joel tem 4 anos e desde que nasceu continua a viver com os pais num tugúrio que já foi estábulo (ainda lá existem as argolas que serviam para prender o burro). Trata-se do rés-do-chão de uma casa de habitação em pedra, onde, segundo a arquitectura tradicional, ficava a loja dos animais. A avó vive numa outra loja contígua. A cozinha foi improvisada no pátio, debaixo da varanda, exposta ao frio e à chuva.

A insalubridade daquele alojamento tem provocado bronquiolite ao Joel. O pai é feirante e paga impostos, mas a crise que assola o comércio em geral cada vez agrava mais as dificuldades com que a família vive. O Joel sofre ainda de uma doença oftalmológica que o obriga a usar óculos, mas quando precisou de mudar de óculos não teve direito a qualquer comparticipação por parte do Estado.

Uma técnica de habitação social da Câmara Municipal de Viseu, contactada pela nossa Associação caracterizou o alojamento precisamente como uma loja de animais. Há poucas semanas, depois de termos aqui denunciado o caso de um sem abrigo, que dormia numas ruínas no Largo do Matadouro, duas assistente sociais da Segurança Social de Viseu foram visitar a “casa” do Joel que fica ao lado, na Travessa do Matadouro. Parece que ficaram condoídas com a situação, mas a verdade é que, até ao momento, nem a Segurança Social (que remete para a autarquia a responsabilidade pela habitação social) nem os autarcas da Câmara Municipal (que dizem que as casas que têm vagas no bairro social da Balsa, onde residem os avós maternos do Joel, são só para vender) se preocuparam em resolver o problema.

Jesus foi perseguido e discriminado por ser hebreu. O Joel é discriminado e excluído por ser de etnia cigana, embora isso não venha a figurar no seu bilhete de identidade de cidadão português.

O menino Jesus ainda foi aquecido pelo bafo da vaca e do burro, mas neste presépio viseense de nada vale substituir aqueles dois figurantes pela Segurança Social e pelo presidente da autarquia. Dali nem um bafo sai!

(No Jornal Via Rápida de 25/12/2008)

16.12.08

EM VISEU FAZ-SE TÁBUA RAZA DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS



Ontem, 10 de Dezembro, comemorou-se o 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Estes últimos não são imutáveis, nem “naturais” como pensavam os filósofos das Luzes, no séc. XVIII, que inspiraram a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, adoptada pela Assembleia Constituinte francesa, que rompeu com a monarquia de direito divino e com o sistema feudal dos privilégios da nobreza. Um século e meio depois da Revolução Francesa, a humanidade que sobreviveu à barbárie nazi viu-se na necessidade de actualizar os direitos humanos para prevenir novos crimes de genocídio. Hoje, a evolução do mundo tornaria legítimo a inclusão na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, do direito de todos os seres humanos a um ambiente sustentável e saudável, bem como o direito à preservação do património cultural e artístico de cada comunidade, sendo que este último já está de certo modo garantido pelo Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais, aprovados pela ONU em 1966, a par do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

A associação OLHO VIVO também comemora, este ano, 20 anos em defesa do património, do ambiente e dos direitos humanos. O Núcleo de Viseu da OLHO VIVO aproveita este aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos para chamar a atenção, pela quarta vez (ver “Golpe de Vista” de 6.4.2006, 7.12.2006 e 17.10.2007), para um caso de flagrante violação dos direitos humanos por parte do Estado, o que inclui o governo e a autarquia. Com efeito, o artigo 25º daquela Declaração Universal, no ponto 1. diz que “Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários (...)”. Por outro lado, a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 65º , atribui ao Estado e às autarquias locais a incumbência da construção de habitações económicas e sociais.” Ora, em Viseu há uma família a viver há décadas numa loja de animais, caracterização que nos foi confirmada por uma técnica municipal. Ainda se podem ver nas paredes as argolas onde eram presos os burros no rés-do-chão de uma casa na Travessa do Matadouro nº 7 (junto à Rua de Serpa Pinto). Por debaixo do andar que servia de habitação, conforme a arquitectura tradicional, ficavam as lojas dos animais. Estas, divididas por placas de contraplacado, servem agora de quartos, sem luz natural, cheios de humidade. No pátio, ao frio e à chuva, apenas abrigada pela varanda de madeira que lhe serve de telheiro (ver foto) improvisaram uma cozinha e construíram uma retrete. Há mais de trinta anos que lá vive Silvina Cardoso Fernandes, de 62 anos, viúva, que ali criou cinco filhos. Uma filha que ali viveu com o respectivo filho, no mesmo quarto até este ter 16 anos, depois da nossa denúncia foi realojada pela CMV no Bairro de Paradinha. Mas vivem ainda naquele pardieiro o filho mais novo, António Fernandes Pinto, de 27 anos, a sua mulher Maria de Fátima Cardoso Amaral, de 20 anos, e o filho de ambos, o David Joel, de 4 anos, que devido às más condições de salubridade, contraiu uma bronquiolite.

Já depois da denúncia que aqui fizemos, há cerca de um mês, do caso de um sem abrigo deixado a dormir ao relento, por lotação esgotada do Centro de Acolhimento Temporário da Caritas Paroquial de Santa Maria, subsidiada pela Segurança Social, duas assistentes sociais visitaram a família de António Pinto, mostrando-se condoídas e assegurando-lhe ir resolver o problema. Até que isso aconteça, continuaremos a denunciar este caso escandaloso.

2.12.08

ONDE PARAM OS CANDEEIROS DE MESTRE MALHO?



Carlos Vieira ©

Há já largos meses que foram retirados os candeeiros de ferro forjado da autoria de Mestre Arnaldo Malho que se encontravam na cantaria da Sé Catedral, mais propriamente, na ala contigua à varanda de dupla colunata toscana, ou “passeio dos cónegos”. Outros exemplares iguais já tinham sido retirados, nomeadamente na fachada do Museu Grão Vasco, aquando da remodelação projectada pelo arquitecto Souto de Moura, mas onde se nota mais a ausência é precisamente na esquina do Adro da Sé com a Praça D. Duarte, por cima das escadinhas.

Note-se que aquele candeeiro, verdadeira obra prima do “poeta do ferro”, como lhe chamou Aquilino Ribeiro, era um dos motivos favoritos de turistas e fotógrafos que recortavam as linhas escuras do ferro contra o azul do céu.. A sua beleza mereceu-lhes irem decorar a alva e majestosa fachada da Igreja da Misericórdia de Viseu.

Logo que nos apercebemos que este candeeiro tinha sido retirado, quisemos acreditar que teria sido mesmo sido para recuperar. No entanto, quer-nos parecer que já passou tempo suficiente para o efeito. Por outro lado, há sete anos, quando denunciámos a substituição dos candeeiros da Praça D. Duarte, da Rua Direita e de outras ruas do centro histórico, igualmente de ferro forjado, (embora não creiamos que sejam da autoria do mestre Malho, não obstante termos visto os respectivos moldes na Serralharia Malho, o presidente da Câmara Municipal de Viseu), Fernando Ruas desculpou-se, perante as câmaras da televisão, afirmando que os candeeiros tinham sido retirados para recuperar, após o que seriam recolocados noutras ruas não intervencionadas pelo Procom (programa de Apoio ao Comércio), tendo atribuído a decisão de os substituir ao arquitecto responsável por este projecto, como se a responsabilidade não fosse do dono da obra, ou seja, da CMV. Efectivamente, mais tarde, alguns destes candeeiros foram recolocados na Rua Silva Gaio, na Rua das Ameias e na Calçada da Vigia, mas a verdade é que nas ruas principais do centro histórico, na Rua Direita, na Praça D. Duarte, na Rua Nova, na Rua D. Duarte, nunca mais foram vistos.

Não obstante também termos chamado a atenção da autarquia para o crime de lesa património que constituiria a substituição dos candeeiros de ferro fundido, estilo Arte Nova, na Rua do Comércio, por serem do mesmo estilo dos prédios mais bonitos daquela artéria, do início do século XX, a CMV deixou-os encavalitados pelos mesmos que tinha colocado nas ruas medievais, durante sete anos, tendo há cerca de meio ano decidido retirar ambos, substituindo-os por um terceiro modelo.

É por estas e por outras que somos levados a desconfiar das intenções da autarquia e a apelar à vigilância dos viseenses.

(No Jornal VIA RÁPIDA de 28/11/08)

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