No passado dia 30 de Março, a Assembleia Municipal de Viseu organizou um debate sobre violência doméstica, para o qual foram convidados, como oradores principais, a presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, Elza Pais, e o bispo de Viseu.
O bispo Ilídio Leandro referiu-se não só à violência conjugal, mas também à que se exerce no seio do lar com os filhos ou com os idosos, deixando-os muitas vezes sozinhos ou enviando os pais e os avós para lares onde eles não querem estar. Considerou ainda que o casamento deixa de ter validade quando deixa de existir o amor, o que se torna mais evidente sempre que ocorre violência conjugal, tornando-se então preferível optar pela separação ou pelo divórcio.
Elza Pais lembrou que a Violência Doméstica, resultado do desequilíbrio do poder entre homens e mulheres, teve a legitimidade da lei e da tolerância social, mas já é considerado crime público desde o ano 2000, pelo que tem de ser denunciado. Referiu-se ainda a um estudo da Universidade do Minho que demonstrou que há uma percentagem preocupante de jovens que aceita a violência física e psicológica no namoro como um acto de amor, acreditando que desaparecerá, com o tempo, o que a prática tem demonstrado que não é verdade. Informou também que existem dois núcleos de atendimento para vítimas de violência doméstica em Viseu e um outro em Mortágua.
Inquirida por um representante do Núcleo de Viseu da Associação OLHO VIVO (também convidado a participar no debate) sobre o atraso na aplicação dos meios electrónicos de controlo à distância, como forma de fazer cumprir o afastamento dos agressores, deixando de ser a mulher vítima a ter de sair de casa, recorrendo à família, aos amigos ou a casas abrigo, Elza Pais anunciou que até ao final do mês de Abril as pulseiras electrónicas estarão a ser distribuídas por todo o país.
Também usaram da palavra responsáveis da PSP e da GNR, que no ano de 2008, registaram, na nossa região, um total de 706 denúncias. A PSP, que tem duas salas de atendimento às vítimas de violência doméstica, uma em Viseu e outra em Lamego, assinalou 149 denúncias, sendo 135 de ofensas à integridade física das mulheres, 6 de abusos sobre os filhos e 6 sobre idosos (2 não se enquadram nestas categorias). Por seu lado a GNR registou no ano passado 557 denúncias, sendo 442 de violência conjugal, 16 de abusos sobre crianças e 58 de abusos ou violência sobre idosos.
A intervenção que suscitou mais polémica e até interpelações mais ou menos indignadas da parte de algumas das mulheres presentes, incluindo Elza Pais (de forma mais diplomática) e duas deputadas municipais, do PS e do Bloco de Esquerda, foi a do representante em Viseu da Ordem dos Advogados, que começou por avisar que iria fazer de “advogado do diabo”. Embora escudando-se numa argumentação técnico-jurídica, e falando em nome pessoal, João Paulo Sousa lá foi dizendo que apesar de reconhecer a violência doméstica como um crime grave, discordava que fosse crime público, considerando-o como “um crime da moda” (como já houve o da pedofilia) pelo que haveríamos de “ter cuidado com a pressão da comunicação social, factor de distorção do rigor dos factos”. Para o distinto advogado este tipo legal de crime está a começar de sofrer uma “instrumentalização por parte de putativas vítimas para usos indevidos”, como seja a defesa de “interesses patrimoniais” ou para “afastar o cônjuge da própria residência”.
Também o representante da Olho Vivo manifestou a nossa discordância com este tipo de argumentação, lembrando os números divulgados pelo Observatório de Mulheres Assassinadas, criado em 2004 pela UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta que registou mais de 200 mulheres assassinadas às mãos dos maridos ou ex-companheiros, nos últimos cinco anos. Para além da quase meia centena de mulheres assassinadas no ano passado, ainda se registaram 64 mulheres vítimas de tentativas de homicídio, agressão ou violência continuada, mais 18 vítimas associadas (filhos, pais, amigos).
De acordo com o Conselho da Europa, a violência contra mulheres no espaço doméstico é a principal causa de morte e invalidez de mulheres dos 16 aos 44 anos. Ou seja, a violência doméstica mata mais do que o cancro!
É tempo de acabar com esta moda!.
Em 1997, a Comissão de Direitos das Mulheres do Parlamento Europeu elaborou um relatório, de que viria a resultar a aprovação de uma proposta de designação do ano de 1999 como o “Ano Europeu de Recusa Total da Violência Contra as Mulheres”, considerando como necessário melhorar ao seguintes aspectos no que diz respeito à aplicação da legislação dos Estados-membros:
“- os procedimentos jurídicos;
- a promoção do conhecimento das novas leis de acção penal junto das polícias;
- a formação dos juízes sobre esta matéria bem como em todos os serviços que entram em contacto com o problema da violência contra as mulheres.”
Passada uma década, verifica-se, pelo menos em Portugal, haver graves lacunas nestes campos, incluindo a formação dos juízes (e, pelos vistos, dos advogados), como se pode constatar em casos como o do juiz que considerou atenuante de um caso de homicídio conjugal, a mulher “deixar esturricar a comida”; ou o caso mais recente de um juiz que deixou em liberdade um homem que tinha acabado de atirar ácido à cara da companheira ou ex-companheira. Uma moda importada do Paquistão...ou será que é o diabo, senhor advogado?...
(No Jornal Via Rápida de 09/04/09)