Promovida por 21 organizações de imigrantes e de defesa dos direitos humanos, entre as quais a Associação Olho Vivo, esta carta aberta já foi subscrita por personalidades da cultura, do movimento associativo e da igreja católica, como o Bispo Torgal Ferreira, o Bispo de Viseu, Dalila Rodrigues, Lira e Francisco Keil do Amaral, Luís Calheiros, José Eduardo Agualusa, Helena Roseta, Pedro Bacelar de Vasconcelos, Manuel Carvalho da Silva, Tito Paris, Bonga, José Mário Branco, João Brites, Pedro Jóia, Rui Tavares, entre outros.
Carta Aberta sobre políticas de imigração:
A todas as cidadãs
A todos os cidadãos
Aos responsáveis dos Órgãos de Soberania
Aos Partidos Políticos
O ano de 2009, ano para o qual está prevista a realização três actos eleitorais, é um
momento decisivo para o debate sobre as opções a tomar em temas cruciais como é o
caso das políticas de imigração. Mais de um ano após a entrada em vigor da nova Lei
de Imigração, as expectativas criadas aquando da sua aprovação não foram cumpridas
e, embora a nova lei visasse tentar minorar alguns dos aspectos mais gravosos
verificados na anterior, são inúmeras as situações de injustiça com as quais os/as
imigrantes se deparam no seu dia-a-dia, das quais destacamos:
O carácter excepcional e oficioso dos mecanismos de regularização, a exigência
de visto de entrada e o rotundo fracasso da política de quotas têm alimentado
uma bolsa de indocumentados/as, que neste momento serão de mais de
meia centena de milhar;
Os crescentes entraves colocados ao reagrupamento familiar, à renovação de
documentos e os exorbitantes valores das taxas pagas pelos/as imigrantes são
outros dos problemas enfrentados.
Estas práticas e políticas em nada favorecem a inclusão dos/as imigrantes na sociedade
portuguesa, contribuindo, pelo contrário, para o crescimento trabalho ilegal, para a
desumanização das relações de trabalho e para acentuar as desigualdades sociais.
É também com uma enorme preocupação que temos acompanhado as últimas
evoluções a nível Europeu. A Directiva de Retorno representa um enorme retrocesso
civilizacional que envergonha a Europa. Permitir que uma pessoa (incluindo crianças)
possa ficar detida, até 18 meses pelo único “delito” de ter migrado, promover as
expulsões, perseguir migrantes, generalizar os centros de detenção, não são passos a
seguir se queremos construir uma sociedade mais justa e inclusiva. A adopção formal
daquela que foi apelidada por largos sectores da sociedade civil como a “Directiva da
Vergonha” em pleno Ano Europeu para o Diálogo Intercultural, e, em particular, nas
vésperas das comemorações da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é sintoma
de um gritante divórcio entre os discursos oficiais e a realidade.
Por outro lado, o Pacto Europeu sobre Imigração e Asilo é o programa político que
visa consolidar medidas de criminalização e de desrespeito dos direitos dos/as
migrantes, com o reforço e subcontratação do controle das fronteiras, o
condicionamento do acesso ao reagrupamento familiar, a dificultação do acesso a
vistos e a adopção do “Cartão Azul” (um esquema de recrutamento hiper-selectivo, em
função das qualificações). Por fim, o pacto proíbe a realização de processos
regularização de carácter generalizado, condenando à clandestinidade os cerca de 8
milhões de indocumentados/as que vivem na Europa e resumindo as suas
possibilidades a uma análise “caso a caso”. O documento, instrumento de carácter
programático que visa definir as linhas de acção para o próximo ciclo político – 2010
a 2015 -, contribui para consolidar o carácter repressivo na aplicação das políticas
desenvolvidas pelos estados membros e condiciona o próximo “Governo” da EU, ainda
antes da realização, em Junho, das próximas eleições para o Parlamento Europeu. Por
um lado, é mais um entorse da democracia numa Europa virada de costas para os
cidadãos; por outro, está a ser um instrumento de afirmação dos sectores mais
xenófobos e populistas da Europa.
As migrações não são uma realidade nova, são tão antigas como a própria história da
Humanidade, mas constituem uma característica fundamental da aceleração do
processo de globalização verificado nas últimas décadas. Neste processo, a
desregulação dos mercados e o aumento das desigualdades Norte-Sul estiveram na
base da direcção e magnitude dos actuais fluxos migratórios. O envelhecimento
demográfico e as acentuadas necessidades de mão-de-obra, tornaram o velho
continente Europeu num pólo de atracção das migrações. No entanto, e apesar da
Europa precisar destes/as migrantes, sempre dominou uma relutância hipócrita em
reconhecê-lo. O resultado foi um modelo migratório restritivo que alimentou a
migração clandestina e o tráfico humano, e que criou um contingente de mão-de-obra
desprovida de direitos, descartável, vulnerável perante a exploração laboral e para
trabalhar em sectores pouco atraentes para os europeus, com altos níveis de
precariedade e de sinistralidade – uma experiência de resto bem conhecida dos
milhões de portugueses/as que emigraram, e ainda o fazem, para todo o mundo.
A Europa, a encarar uma crise económica grave, de resto generalizada a todo o globo,
tem usado os/as imigrantes para “explicar” o terrorismo, a insegurança, desemprego,
enfim os vários males sociais. Preocupa-nos que hoje, tal como em anteriores crises,
sejam eles/as o bode expiatório desta situação e as suas primeiras vítimas.
A solução para o impasse requer que se vá à raiz dos problemas.
O direito à residência – sem a qual a existência dos/as imigrantes é relegada a um
limbo jurídico que só alimenta a exploração laboral e a exclusão social – é condição sine
qua non para uma real inclusão dos/as imigrantes e para a coesão de toda a sociedade.
Mas, no caminho rumo a uma cidadania plena, há ainda muito a percorrer. O direito
de voto dos/as estrangeiros/as residentes já existe nas eleições autárquicas para os
comunitários e os abrangidos pelos acordos de reciprocidade. Esta situação é
manifestamente discriminatória, sendo urgente o acesso ao direito de voto pelos
imigrantes residentes, em todas as eleições. Deve-se ainda prestar especial atenção à
vulnerabilidade acrescida que enfrentam as mulheres migrantes, assim como à
realidade de muitos jovens descendentes, os quais, continuam a sofrer os efeitos da
guetização e exclusão. Escutemos a insatisfação crescente que se vive nos bairros.
Lançamos um desafio: o de promover um debate sério e construtivo, que envolva uma
ampla participação da sociedade civil, incluindo os/as imigrantes. É necessário
equacionar políticas que assentem no respeito da dignidade humana e que promovam
a igualdade de direitos entre as pessoas, independentemente do lugar onde tenham
nascido.
Contacto:
- Olho Vivo
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