28.8.09

FUNICULÌ, FUNICULÀ...



Todos conhecem a canção “Funiculì, Funiculà” que Mário Lanza imortalizou nos anos 50, composta em 1880 por Luigi Denza, com lírica de Peppino Turco, para comemorar a abertura do primeiro funicular no Monte Vesúvio, destruído pela erupção de 1944.
Imaginem agora Fernando Ruas a cantar, no banho, “funiculì, funiculà, funiculì, funiculà”... mais inchado que Pavarotti (sem ofensa ao defunto tenor, mas Plácido Domingo também não liga com a imagem pouco plácida do nosso edil), “funiculì, funiculá, funiculì, funiculà”, durante semanas ou meses, a sonhar com a viagem inaugural do funicular pelo presidente da República Cavaco Silva, aproveitando a sua vinda a Viseu para a inauguração da Feira de São Mateus, no passado dia 14. Que essa impossibilidade foi um balde de água fria para o presidente da Câmara Municipal de Viseu não restam dúvidas a quem ler a mensagem que ele assina no catálogo desta edição da Feira de S. Mateus:
“(...) O próprio espaço público da Feira foi dotado de novas e modernas infra-estruturas e, tem como grande novidade, este ano, um meio mecânico, não poluente, a abraçar a zona ribeirinha e o portentoso complexo arquitectónico da Sé. O funicular que, atempadamente, foi alvo de apoio financeiro da União Europeia, do Governo Português e da comparticipação do Município de Viseu, é um equipamento que qualquer cidade portuguesa, com geomorfologia idêntica, gostaria de ter. Mais um ex-libris que perdurará na “imagem” e no “marketing” de Viseu”.
Como se vê há aqui uma certa megalomania (temos o que mais ninguém tem) que talvez esteja na origem de uma série de opções erradas.
A primeira questão é saber se a utilidade do funicular justifica um investimento de 5,2 milhões de euros. Dizer que se trata de “capturar fundos europeus” é iludir que esse dinheiro, bem como a comparticipação do Estado e da autarquia (em ambos os casos trata-se do dinheiro de nós todos), podia ter sido “capturado” para outras obras do projecto Viseu Polis que ficaram incompletas ou por fazer, como o parque urbano da Aguieira ou o Centro de Interpretação da Cava de Viriato (monumento único na Europa).
Subo frequentemente a Calçada de Viriato para chegar mais depressa ao centro histórico, usando o “pernicular”. É um bom exercício. Melhor do que fazer marcha pelas radiais, enquanto se engole o C02 dos automóveis. Mas admito que algumas pessoas, devido à idade ou a outras limitações motoras, possam ter necessidade de usar um meio mecânico para vencer um desnível de 16%. É certo que o funicular aproximará a Cava de Viriato do centro histórico. Mas, para rentabilizar duas carruagens com capacidade para 50 pessoas cada, só alargando o parque de estacionamento na nova praça da feira (onde se encontra o palco) para automóveis e autocarros. E aqui surge o primeiro problema uma vez que durante a época alta do turismo, a Feira de S. Mateus impede o aparcamento na maior parte do tempo, já que ou está a decorrer, ou a montar ou a desmontar.
Por outro lado, o ideal seria um meio mecânico que incentivando o parqueamento periférico, apenas facilitasse a subida para o morro da Sé, integrado num roteiro pedonal que sugerisse o regresso pela Rua Direita, passando pela Porta dos Cavaleiros e acabando na Cava de Viriato. De contrário, se se sugerir a subida e a descida pelo funicular, dificilmente os turistas descerão pela Rua Direita, não beneficiando o comércio dessa artéria histórica e ficando com uma visão reduzida da cidade.

A segunda questão é saber se o meio mecânico escolhido foi o mais adequado. Lembro que no Plano de Pormenor “Envolvente Urbana do Rio Pavia”, que foi submetido a discussão pública, sugere-se “a instalação de um sistema de transporte mecânico – passadeira/escada rolante – na Calçada de Viriato” (ver desenho). Esta solução seria certamente mais económica, daria menos problemas de segurança e teria a vantagem de também servir os ciclistas.
A terceira questão é saber por que motivo se optou por um funicular composto por duas carruagens, quando a descontinuidade da inclinação acaba por tirar pouco proveito do sistema de contrapesos e só com uma carruagem o tipo de carril seria mais seguro para os peões (a exemplo dos funiculares de Lisboa: da Bica, da Glória e da Lavra, todos com cabos aéreos). Por que é que não se optou por rodas de borracha, conforme é habitual sempre que o funicular não circula em via dedicada? Os cabos aéreos evitariam os intervalos no piso entre os carris, armadilhas para os peões.
Américo Nunes, vice de Ruas e membro da Comissão Liquidatária da ViseuPolis, disse ao Diário de Viseu que “trata-se do primeiro funicular do país que funciona em via aberta”. Claro que é; porque mais ninguém teve a peregrina ideia de enfiar um funicular numa via com intenso trânsito automóvel e pedonal, ainda por cima com um cruzamento. Há até técnicos que asseguram ser único no Mundo!
Com a pressa de inaugurar o funicular durante a Feira de S. Mateus, improvisaram-se atabalhoadas medidas de segurança que criaram problemas aos moradores. Vão acabar por isolar com protecções todo o percurso da linha (excepto no cruzamento e nas passadeiras), mas duvido que se irradiquem todos os problemas de segurança. “Funiculì, Funiculà”...

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