7.3.09

CASAMENTO DE HOMOSSEXUAIS: UMA QUESTÃO DE DIREITOS HUMANOS



Primeiro foi o porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) a ameaçar com o apelo ao voto contra os partidos que defendem o casamento entre pessoas do mesmo sexo”. No dia seguinte, a CEP, em comunicado, esclareceu que a Igreja não se move contra qualquer partido com um ideário divergente ou oposto”, mas a ameaça velada ficou a pairar, apesar do presidente do CEP, o arcebispo Jaime Ortiga, ter admitido, há meses, que esta questão dos casamentos gay iria avançar, “com ou sem a oposição da Igreja católica”. Ou melhor, a oposição da hierarquia, já que vários católicos de base, como o Grupo Homossexual Católico Rumos Novos, aprovam esta proposta que José Sócrates integrou na sua moção apresentada ao Congresso do PS (curiosamente há três ou quatro meses o PS votou contra projectos-lei de igual sentido apresentadas no Parlamento pelo Bloco de Esquerda e pelos Verdes).

Já em 2003 o Vaticano “decretava” que “as uniões homossexuais “não estão em condições de assegurar, de modo adequado, a procriação e a sobrevivência da espécie”. É caso para perguntar por que é que o Papa não autoriza o casamento dos padres de modo a contribuir para a procriação e a sobrevivência da espécie? Ou será que tem receio que uma grande percentagem recorra ao casamento gay? E as freiras que só casam com Cristo? E quando dois idosos ou adultos fora da idade fértil se apaixonam e casam não terão direito, querendo, à bênção da Igreja, só porque já não têm hipótese de procriar e contribuir para a sobrevivência da espécie? Que raio de materialismo é este?!

Talvez o Papa se devesse preocupar mais com a quantidade escandalosa de padres e bispos acusados do crime de pedofilia, em vários países do mundo, mas principalmente nos EUA.

Em Viseu, o cónego Vieira, ex-director do Jornal da Beira, propriedade da Diocese, escreveu, sob o mesmo pseudónimo com que há já alguns anos elogiou Salazar: “(...)Trata-se de algo anti-natural, é aberração, pois deles implicitamente está excluída a noção de constituição de um genuíno agregado familiar”. E acaba a apelar à “capacidade de discernimento” do eleitorado.

Mais inteligente, o bispo de Viseu começa por negar intenções discriminatórias para com os homossexuais e admite até “o direito à felicidade de cada um”, mas finca os pés na mesma areia onde enterrou a cabeça, a que chama “valores da sociedade”, para sugerir a substituição da palavra “casamento” por “união de facto” quando aplicada a homossexuais. Na verdade já existe a palavra “matrimónio” para distinguir o “sacramento da Igreja, que valida a união do homem com a mulher” (Dicionário Porto Editora) da união legal ou casamento civil, embora, na prática, se tenham tornado sinónimos. As igrejas não têm que se imiscuir no direito civil e muito menos desrespeitar o direito constitucional à igualdade, sem discriminação baseada na orientação sexual, da mesma forma que o Estado não pode impedir que a Igreja católica discrimine a mulher no sacerdócio. Os “valores” do bispo Ilídio Leandro são os mesmos que o levam a defender a indissolubilidade do casamento, mesmo que, como dizia há tempos o bispo Torgal Ferreira, isso tenha provocado a infelicidade de milhares de católicos, excluídos da “comunhão” por terem decidido divorciar-se e voltar a ser felizes. O ar de tolerância do bispo de Viseu (“a Igreja não coloca em causa a liberdade de consciência”) esfuma-se quando ele apela aos católicos para se interrogarem sobre o sentido do voto”.Esta é que é uma autêntica “campanha negra” (da cor das sotainas)!

Em 1945, durante o processo de Nuremberga que julgou alguns responsáveis nazis, definiu-se como “crime contra a humanidade” o genocídio de grupos de pessoas pelo simples facto de existirem, como os judeus, os ciganos e os homossexuais. Os homens e as mulheres homossexuais continuaram a ser vítimas da violência assassina das ditaduras militares da América latina e dos “esquadrões da morte” das democracias “musculadas” que se seguiram. Como se sabe, a maioria dos ditadores e torcionários eram católicos praticantes, como Pinochet que recebeu João Paulo II de braços abertos.

Em 2007, o bispo de Pamplona colocou no “site” da Igreja de Navarra um documento em que apela ao voto na organização fascista Falange Espanhola e noutros partidos da extrema-direita, todos respeitadores da religião e dos seus “valores”.

Darwin nasceu há 200 anos, mas só em Outubro de 1996 é que o Papa, do alto da sua infalibilidade, reconheceu a Teoria da Evolução. Não obstante, em 2004, a ministra italiana da Educação, do governo neo-fascista do católico Berlusconi, provocou uma revolta pública ao tentar proibir o seu ensino.

Durante milhares de anos quantos milhões de pessoas não terão sofrido com o horror de ir parar ao Inferno ou ao Purgatório, ou com o desgosto de pensarem que os seus filhos, ao morrer sem serem baptizados, iriam pairar no limbo? Até que João Paulo II decidiu, em 2007, que o “limbo”, inventado por Santo Agostinho juntamente com o “pecado original”, não existe, e que o Céu, o Inferno e o Purgatório não são lugares concretos.

“E, contudo, ela move-se!” Nem a Igreja escapa à evolução! É pena é que seja um processo tão lento, tão retardado por dogmas, fundamentalismos e preconceitos que a humanidade no seu devir de progresso vai atirando para o caixote do lixo da História e acabe por provocar, na sua fanática e inglória resistência, tanta exclusão e sofrimento.

Numa coisa estamos todos de acordo: há assuntos mais importantes, como a crise económica e o desemprego a merecer mais a nossa atenção. O problema é que este já devia estar resolvido há muitos anos.


(Carlos Vieira no Jornal Via Rápida de 12/02/09)

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